sexta-feira, junho 10, 2016

Iniciação

E nem mais existirá a esperança do trágico...
E no vazio,
em vão apelareis para as grandes catástrofes,
para o pavoroso das formas não de todo feitas,
sob o terrível das forças verticais...
Sumirão as espadas suspensas de fios,
sumirá a mão que escreve nas paredes
do festim velho,
e a Esfinge dormirá nas areias eternas...
Somente o segredo, acordado, no caminho claro,
na encruzilhada de todos os caminhos claro,
na encruzilhada de todos os caminhos,
andando na tua frente, desvendado,
mais difícil de crer do que de decifrar...
Teu pensamento, tua fé e teu desejo,
criando, à tua escolha, o teu destino...
E se fores forte,
olha bem para cima,
para ver como é sorrindo
que morre o teu Pai...

João Guimarães Rosa

Desterro

Eu ia triste, triste, com a minha tristeza discreta dos fatigados
com a tristeza torpe dos que partiram tendo despedidas,
tão preso aos lugares
de onde o trem já me afastara estradas arrastadas,
que talvez eu não estivesse todo inteiro presente
no horror dessa viagem.
Mas a minha tristeza pesava mais do que todos os pesos,
e era por causa de mim, da minha fadiga desolada,
que a locomotiva, lá adiante, ridícula e honesta,
                                                            [bracejava,
puxando com esforço vagões quase vazios,
com almas cheias de distância, a penetrar no longe.
A tarde subiu do chão para a paisagem sem casas,
e o comboio seguia,
cada vez mais longe, mais fundo, a terra mais vermelha,
o esforço maior, as montanhas mais duras,
como sabem ser duros os caminhos,
pelos quais a gente vai, só pensando na volta...
Coagulada em preto,
a noite isolou as coisas dentro da tarde,
e o barulho do trem foi um rumor do soçobro
no fundo de um mar sem tona.
Nem mesmo foi a noite: foi a ausência
brusca e absurda do dia.
Tão definitiva e estranha, que eu me alegrei, esperando
o não continuar da vida,
o não-regresso da luz, o não-andar-mais do trem...

João Guimarães Rosa, in Magma.