definitivamente não vou sair mais sozinha numa sexta à noite
eu não prometo, enfim
fui num inferninho, quando começaram a gritar
"we can change the world" comecei a rir
e pensava "I dont believe" "I dont believe"
depois percebi que talvez estivesse num lugar
tipo what the hell?
e fui pela cidade a ver as galerias de Paris
vi as discotecas que ia há quase 10 anos atrás
no intercâmbio
eu já nem queria entrar
nada me atraía, eu envelheci e pronto
os turistas bêbados
entrei no rend-vous
comprei um maço de malboro, que fiasco
havia muitas mulheres a cantarem "I beg you" I beg youuuuu
saí rapidamente por que também cantava
comprei uma água fresca
fui em direção à fonte dos leões e pedi
em inglês a um português que me tirasse fotos
também estava bêbado, e ficaram todas desfocadas
chamei um bolt e fui pra casa levada
por um indiano que meu deu "boa noite", eu respondi
boa noite num tom que parecia feliz
boa noite e calamos
ficamos em silêncio a nos observar durante a viagem
ele usava um turbante negro
e tinha a barba muito negra
uma tshirt bordô
também olhava a mim
ambos com medo
eu estava com meu blazer e boca vermelhos
meu cabelo espigado e selvagem
ele
era bonito, uma cor maravilhosa
mas eu não desejava, admirava a diferença
eu vi que não faço parte da multidão
dancei um pouco no inferninho
mas ria, de saber que estou a passar por um
inferninho, parecia tudo muito sujo
não que eu estivesse limpa de todo
fui querendo rock´n roll, punk, sei lá
e tudo isso pareceu ainda mais antigo
é assim,
nenhum corpo me atraiu
vi o João do Candelabro e Zona Autonoma que antes eu era louca
perguntaram se eu vou esse ano, disse que sim,
mas não sei, disse empolgada que iria,
perguntei da Madlen, não tinha vindo
os homens pareciam ou jovens demais ou velhos demais
como isso é possível?
devo estar velha? parecia toda a gente feia
parecia que nada era feito pra mim
e parece que não quero mais fazer isso
e não me importa mais envelhecer
e não estar na multidão de sexta a noite
e não desejar a nada
é só um inferninho que está a passar...
quando eles gritavam "we can change the world"
ficaram a gritar isso muitos minutos
parecia um transe
veio uma menina e começou a gritar também no microfone
e quando todos gritavam "we can change the world" repetidamente
mil vezes
o inferninho pareceu uma igreja, ou seita qualquer que eu tinha que correr dali
eu achei tão ridículo,
pareciam todos bêbados e iludidos, como eu, e nem eram jovens
que não estava bêbada, mas eu não preciso mais beber
ando sóbria e louca ao mesmo tempo agora,
eu não consegui ver nenhum futuro
o neon vermelho era o que tinha de mais belo
ali dentro
e voltei pra torre
a ouvir as gaivotas a gritarem por mim
if I can change my world
if I can change my world
acho que as gaivotas não querem mudar o mundo,
mas que gritam, ah gritam
e tudo ficou calmo e silencioso
a madrugada na torre
é sempre calma, mesmo sem sono.
por que chorei por causa das correções hoje?
não faz sentido
por que ando a temer tanto,
disseram que cito demais
citações longas demais
e me escondo no texto,
que eu deveria criticar, que mania hein, eu criticar Aristóteles
não viaja
já falei que vou mostrar como ele ressona nos debates contemporâneos
e eu faço um mapeamento, mostro diferenças, semelhanças, enfim
sempre querendo o tal do pensamento crítico, que saco
naaaaaaa not now
eu quero aprender
e disse que não vou opinar, acho que nas comparações com fenomenologia
eu gosto bastante
também gosto do debate sobre teleologia
pampsiquista versus biopsiquista
gosto das citações da Metafísica
sobre imaginação
pensamento
realismo x representacionalismo
criticar o que exatamente?
falar que posso mudar no mundo né?
apontei semelhanças e diferenças entre os autores
e como a teoria aristotélica ressona neles, bla´bla blá again
e fala o antropólogo, que não vai ser pago pra revisar
enfim, muitos pontos e vírgulas, e muita oralidade da minha parte
muitas citações imensas
pouco "pensamento crítico" aff
isso vai acontecer quando eu estiver ainda mais velha
talvez possa acreditar em mudar o mundo
depois que eu tiver mudado o meu mundo.