Hangover

chorei tudo que tinha pra chorar voando

eu tava sentindo prazer em ver tanta lágrima escorrer

até à minha boca, bebia-as

se quiserem posso tirar o capítulo 7 sobre imaginação

e já junto com o novo projeto 

enfim, me disseram que eu não preciso colocar tudo na tese

eu não coloquei tudo

mas o ponto é que posso separar conteúdos 

não precisou dizer, mas disse: és continental...

eita, veio falando que a comparação com filosofia analítica

e que eu transito por diferente filosofias, isso é bom

que a tese tem seu valor mostrando ressonâncias do Ari em filosofia contemporânea

eu tava com meu olho esquerdo pulando

não sabia como reagir, mas fui eu, como sempre

entreguei as duas botelhas, era demais, mas pegou as duas

vai brindar com bastante Porto wine 10 years

o natal na utopia já estava garantido, sempre irónico, inteligente, direto, absurdamente

sincero.

Eu não quis ver o Kjell na minha última

noite

tava cansada daqueles joguinhos, como se tivesse a falar pra uma menina de 20 anos

eu tenho isso, eu posso fazer isso, eu já fiz isso, milhões, lugares, jumpings

e eu de vestido vermelho fatale na quarta, ele parecia que tinha raiva

eu disse que sabia que ele não gostava de mim,

mas pulava e encheu a cara de tanto vinho que virou um zumbi

e disse que me adorava, mas como um zumbi adora?

e aí eu desisti, nem durmi, pensando em tudo, na utopia

a parte

de sair com scooter na chuva e passar no centro escuro

e ver toda a gente perdida, refugiada era mais emocionante

as pessoas sozinhas andando pela cidade escura

os corredores com seus óculos coloridos

consegui revisar eu acho, fui até rápida

confortavelmente deprimida no meu segundo verão

norueguês, o que me disseram que o "confortavelmente deprimida"

é só no verão mesmo..

eu bati meus pés dizendo que não queria

me meter em falar de política

rimos, ué o Ari escreveu a Política, rimos

disse que filósofo não se mete em política, eu perguntei como era

falei da urgência, da injustiça 

e do quanto é boring

por que é muita discussão que só divide

e nunca une

e que às vezes se conversa com os colegas sobre política

perguntou se eu ainda me metia com refugiados, como sabia?

eu disse que queria viver na utopia como refugiada

foi quando rimos mais...

Eu pedi foto, segurando o livro da utopia, exigi que sorrisse

eu estava rindo de um jeito que era de sem saber

que eu tinha de digerir tudo aquilo que me disse

e sobre voltar

e sua carreira na Dinamarca

por que se eu ficar é ainda mais difícil pra voltar

no fim, confessamos que gostamos de metafísica

parecia a dica para o projeto

eu dizendo de voltar pra minha terra com minha gente

e tentar o Olimpo, disse que ficava feliz por mim

pensava se ia me dar o seu livro

eu acho que via que eu não sabia só sentia

dizia que pensava se iria me presentear

Eu disse que não era possível

eu não tinha uma caneta, nem a utopia

que encontrou um lápis

disse de ser um mal professor, pra eu dizer que não era

e pronto, eu preciso me tornar professora, 

por que estou a querer mais pesquisa ainda? é que eu acho 

que nunca saberei o suficiente pra ensinar

tá se eximindo de por a mão na massa?

escreveu me desejando sorte na filosofia

eu queria abraçar a utopia

mas há uma distância

e não se abraça em outros lugares igual

abraçamos no Brasil

isso é demais

lembrou-me que há posdocs em fenomenologia por todo 

lugar e que se eu precisasse de ajuda poderia ajudar,

parecia que me dizia

não adianta é Merleau-Ponty e o que tu faz com ele

o Ari, tu precisa evoluir

eu sabia que não seria aceita, o grego

que me falta

as minhas interpretações 

e parece que a cicatriz que eu queimei no forno

está ficando escura 

e quando lembro do Bader

foi bom, por que foi ele que me incentivou a ir

e pronto, 14 dias refugiada com o refugiado sírio, trabalhando pra afegão

visto negado

depois Grunerlokka com blackout fechado 

e revisando tudo

confessei que usei muito chatgpt

pra corrigir, pelo menos sabe separar as frases

colocar os pontos finais

consertar as referências

até poesia já tá fazendo... mas aí apelei e falei

que queria de verdadeiros poetas....

tá me batendo aquele cansaço de ficar sentada nessa cama com o computador

nas minhas pernas

não quero cozinhar

trouxe brunost

a Tay disse que o Brasil foi difícil

bebemos duas botelhas, ela me contando de todo o confronto

depois vomitou

deu mais medo

mas vim pra torre e ainda fiquei curtindo a escuridão branca

do nevoeiro

que é uma escuridão branca com a escuridão da noite

e a escuridão do norte é outra, cheia de luzes artificiais

eu posso enfrentar os contrários

com meu corpo, com essa ressaca

e uma dor no pescoço do lado direito.

eu não sei se a gente pode ter sempre o quer....

Tese não manuseável

a vida se acomodou 

a paixão morreu 

o que me trouxe paz pra voltar

para o Porto, que tremeu e eu não estava lá

eu queria mesmo era sumir, desaparecer

minha tese, disseram que não é manuseável

mãos maiores deverão precisar

não, não quero servir em restaurantes 

sorrio demais, aproximo demais,

não é nenhum playground, disseram

nem ganhar 4000 euros por mês, o que eu faria 

com esse dinheiro sem filosofar?

dinheiro não é tudo, quando se congela por dentro

Não consegui o visto norueguês

Tudo bem

tenho medo do inverno daqui

tenho medo de escorregar em gelo derretendo e não conseguir mais sorrir com os olhos

pois a escuridão poderia me cegar

não aguento mais viver com o blackout fechado

a utopia não diz nada

e nem eu

já me cortei, já me queimei

já tomei a pílula do dia seguinte

diz ele que estourou, arrebentou

e agora foi tudo pelos ares

Eu passei o sábado e domingo morta

quando lembro que eu queria era amar

por que ele disse que me adorava

e eu não disse nada

e tudo perdeu seu brilho,

seus olhos, seus cabelos, sua pele, sua voz

tudo...

Fumei o último paramount

e não pretendo comprar outro, já comprei

e outro epok Artic Blue

não pretendo ir correndo atrás da utopia

Acho que vou tomar as botelhas com o Kjell

apagado, por que já não brilhas mais

e esquecer aquele gabinete transparente cheio 

de livros incríveis com a utopia dentro

Por que talvez a utopia

Não seja pra mim

Consegui mais 3 meses de bolsa

demoram pra assinar o plano de trabalhos,

será por que? eu sei que não querem que eu tente mais nada ali,

até a terra treme, pra que insistir em ser aceita lá, o chão pode

abrir e engolir qualquer coisa que insista em fincar,

enterre tudo e volte pra sua terra

Sinto que já não vou mais enlouquecer

por não terem mãos para manusear

nem ler nem corrigir minhas 400 páginas

menosprezam meu orgulho por elas,

mas eu as adoro, uma por uma

foi muito trabalho lindo e solitário na torre

e durante todos estes anos,

eu posso dizer obrigada milhões de vezes

parecem mais ansiosos do que eu

Dizem que estou cheia de problemas

por que falei um pouco do que se passava

tolinha

perguntam se eu estou satisfeita

eu tive a audácia de dizer que sim

por que agora sei que sou filósofa

o pouco-caso não me surpreende

apenas a força e a luz, a beleza de tudo

comecei a contar fofocas académicas

que não pareciam interessar, 

já não conseguem acalmar e conversar

perguntaram se falei com a utopia, por que isso era importante?

sinto-me confortavelmente deprimida

em Grünerløkka

e mais 3 dias apenas

acho que quando chegar vou fazer Santiago de Novo, sozinha

parece que não vou poder submeter até 15 de setembro

ah o tacto, as mãos, não, não querem usar

nem os olhos, 

mas um dia isso vai ter de acabar

por que tem de acabar, 

por que vão ter de me liberar

já sabem que sou livre,

e não entendo por que estava louca para amar

estava imaginando demais

mas hoje eu me sinto orgulhosa de ter vindo

novamente pra cá

por que eu realmente amei ter vivido aqui

e eu preciso amar o meu país

e só tenho medo

eu queria ter um lugar seguro pra voltar

não assombrado e cheio de fantasmas

e se eu me agarrar apenas às minhas fantasias?

como sempre, 

não vai ser pior, por que estas devem ser falsas também

Talvez não, talvez seja o que de mais verdadeiro há em mim

e a paz de Steenstrups eu nunca mais vou esquecer

o mundo não é inóspito, 

apenas pessoas... e algumas, nem todas, 

e não há gente que eu ame a não ser as que eu devo 

amar

mais as que eu admiro e sempre estarão em algum lugar

do mundo, da minha imaginação...

A utopia não parece Querer me olhar nos olhos

não há qualquer problema nisso, eu já aceitei

já vi os girassóis todos a girar novamente

a magia vai permanecer em algum lugar,

O bom continua a ser surpreendente e

A indiferença nunca vai me ser familiar

algo que eu não sei manusear

tenho minhas mãos 

apenas para me fazer sentir

que posso amar, criar,

e há muitas mãos nesse mundo assim também

mãos movediças,

movente,

mesmo que minha tese pese

eu não vou me culpar nem sofrer por isso

por que trabalhei tanto,

e juro, 

estou feliz por isso.

Fim da revisão full moon

 em quinze dias eu terminei a revisão

a super lua, fez eu enviar hoje

acho que está tudo como eu quero,

até achei novas passagens na Metafísica sobre imaginação

comparando com sensação, mas não incluí, chega, basta

terminei a amizade com a Jeny again

por que o norueguês que eu to pegando pediu pra ver os peitos dela

eu ainda não acredito muito no que aconteceu, 

pareceu uma piada viking terrível

ele me chamou pra jantar hoje, e estou presa pelada

em Grunerlokka

não quero sair, não há lua cheia pra eu ver nesse

céu negro

eu sei que está lá,

como as pessoas dentro das casas

eu sei que estão lá, mas não as vejo

as luzes acesas e toda a escuridão das coisas

em nós,

dos prédios

o vento a gritar por nós

e daqui a pouco eu parto de novo,

não tenho ID number nenhum

e pronto,

ele pula de prédios, montanhas,

e tem 47 anos

e eu comprei um maço de Paramount

pra fumar na janela, 

não vou pular, por que agora acabou...

eu tirei o peso todo de cima de mim,

na cabeça tem um querer estranho

por que é um viking livre

achas que eu vou tentar prender alguém?

jamais!

mas também não vou mais brincar 

e colocar meu coração na mão de ninguém.

enjoy, enjoy, why not...

eu agora estou estática, e não vou sair de casa.

deveria sair pra ver almas

mas são a maioria a base de álcool e eu to de saco cheio

disso.

já não peço amor, calma, pra uma alma?

não, nem pra duas, nem pra três.

só a minha mesmo, 

tenho de vestir pra abrir o blackout e fumar na janela e sentir

o vento do fim do mundo

imaginando a lua brilhante num céu estrelado.

a calma de não conhecer ninguém aqui

coloquei a cabeça no lugar

revisei toda a bibliografia hoje, quase toda

isso nunca tem fim, tem sim

eu quero chorar e não choro, recuso-me

o que eu podia esperar dessa vez?

eu esperava caminhar como uma tonta

iludida pelas ruas, como da última vez

mas, já não é mais assim e já comprei a 

passagem da volta

perguntei ao Ville Paradiso se precisavam de alguém 

na cozinha or waitress

era um italiano e pediu meu cv, não vou entregar, preciso terminar, bla bla bla

já tenho meu ID number, mas preciso voltar pra entregar 

a tese, não sei por que vim aqui gastar tanto dinheiro pra pedir o visto

pra viver um mês em Grunnerlokka again,

pra terminar a tese em Grunnerlokka? Yes, foi pra isso, não se esqueça,

você quis isso antes, lembra?

foi pra terminar, na completa estranheza, e o que antes

era mágico, ficou sei lá, 

eu que estou com redemoinhos dentro

foi pelo professor? pelo sírio? pela cidade?

por que?

eu estava deprimida, fraca e sem forças

e elas vão renovar quando eu entregar tudo corrigido

ah sim, como se tudo pudesse ser corrigido,

coisas que tu nem sabes

enfim, ninguém corrigiu minha tese a não ser eu

eu pareço lutar contra meus pensamentos obsessivos

queria voltar a sonhar

instalei o Bumble e veio um iraniano lindo de 27 anos

mas tô com medo de tudo agora

e parece que só preciso ficar trancada até terminar,

mas estou aqui e era tudo tão lindo

onde foi que eu me perdi?

in my head

zombiee ee eee eee eee eee

e ainda veio esse amor ridículo que eu inventei

ah para, nem era nada disso, tu ia se meter nessa guerra?

isso tudo ajudou você parar de chorar na torre

até trabalhou pra um afegão, simpática como sempre

e já sinto saudades da torre

pelo menos não tinha vizinhos a me olhar

e isso está um porre

joguei todo o tabaco fora, comprei epok

e parece que está a funcionar,

eu estou feliz no fundo, e triste no fundo

por que sempre falta amor

e sobra trabalho, e eu fujo nas letras,

nas palavras, nas ideias que ninguém quis ler.

Eu sei que tudo vai mudar em breve

eu serei uma pedestre diferente

por que se tudo é diferente agora

vai ser também depois

eu consigo ouvir, ninguém me chama em lado algum

eu posso mudar, mas ainda estou aqui

sentindo tudo isso,

o sírio, eu explodo essa imagem, 

lembro que foi tudo uma mentira

os vinhos que eu trouxe pro prof

nem sei se serão entregues,

eu também não quero bebê-los

só quero terminar 

e será aqui,

por mais que doa e eu sinto um cansaço

cósmico

não posso querer mais nada,

não quero desejar mais nada

deixa que as coisas aconteçam

no fim do mês 

o medo terá aumentado ou diminuído?

eu me sinto mais calma

por mais estranho que possa parecer

e por mais estranha que eu esteja

a só ver estranhos

pelo menos não me sinto como em Portugal

e isso já é uma evolução

ter deixado o sírio ir embora descontrolado

por não conseguir me controlar também foi bom,

e pronto, eu estrangeira sigo,

ninguém pode ver tudo que estou a passar,

e não é que eu ache que seja importante, 

é que pareço longe de tudo,

e eu sei que estou.

Guerra

Ele chegou do nada com mil desculpas de não ter vindo

ele chegou e reclamou, reclamou 

eu reclamei, reclamei, reclamei

fechamos o toldo 

ficamos nus e nos beijamos desesperadamente

eu falei pra ele ir lavar as mãos e ir comprar condons

ele disse que se fosse nunca mais voltava

eu perguntei por que?

ele disse que não gostava

ele achou que iria implorar pra ele ficar

eu implorei umas duas vezes e cansei

e deixei ele sair

olhei pela janela ele colocou o casaco por cima

dos ombros

e eu fumei meu cigarro 

depois tomei um banho a meias e voltei pra tese.

Vim dizer isso pra sei lá, 

ficar aqui,

ele pareceu assustado o tempo todo

eu parecia brava

discutíamos

gritávamos

como dois refugiados em Grunnerlokka.

Acontecem várias coisas na minha vida

que depois eu fico a pensar

e não pareço acreditar que aconteceram

até o momento de agora

eu aqui, com luz artificial 

sem abrir o blackout

não quero ser vista

não quero sair

tenho a impressão que deveria correr

mas não posso deixar outros rios passarem assim

a fazer redemoinhos em minhas águas

eu não consigo acreditar por que parece tudo estranho o que 

sinto

e eu não pensava que eu era assim

e tudo que sou

não quero nem pisar na rua

eu vou terminar a revisão igual a um robô

alimentada com pão e brunost

e boa alimentação, ar, água

e foudassse esse sírio

em guerra,

eu já me queimei no forno

e agora ele acha que vai me ter assim 

desse jeito

aff que preguiça

eu só preciso de café

água

vai com sua pica pra onde tu quiser

eu só quero quem me quer

adeus refugge, thank you 

thank you...

seu cheiro tá em mim que merda

meu Deus

dei descarga, a minha merda ainda estava lá,

mas já foi pro ralo.

eu quero fumar um cigarro na janela, 

mas sem abrir o blackout

e esse cheiro em mim

fuck him motherfucker

e a vizinha da janela de frente sei lá do Vietnam ou Philipinas 

tava me olhando

a soprar tudo pelos ares.

eu quero sair e não quero sair

o melhor seria agora meditar e revisar apenas,

como tem sido

e eu vou sentir esse cheiro em mim

até passar, 

por que não vou sair 

por que estão todos na rua

como ele disse

assustado

e por isso saiu

eu não derramei nenhuma lágrima 

dessa vez.

e eu não quero mais tentar entender

tomo água das montanhas sem parar

faço agachamentos

e acalmo.

O metaverso já não tem atmosphere hipnotizante

 às vezes eu penso que se isso que estou a viver será apenas para ser lembrado

passei o fim de julho a tentar trabalhar pra um afegão,

e 14 dias com meu refugiado sírio

voltei pra Grünerløkka, ufa

 hoje

eu não sou a mesma, e nada é como antes

eu queria a magia de antes

e já não sei como fazer milagres, 

enfim, ou termina a revisão ou entrega do jeito que estiver agora

eu estava louca por um corpo 

achei que fosse meu, mas foram apenas 14 dias de imersão

nem nos seus olhos eu consegui de tão amarelos que eram

as mulheres da Síria ligando todos os dias, 

que religião louca, e não vai ser eu que vai mudar nada disso

dentro dele

passei a tarde na cama pelada sem lençóis

não há toalhas também

depois vi que há uma família do prédio de frente

já me viram, foudasse

eles que fechem a cortina

não terei nenhum pudor em ser vista,

acho que nem vou esperar sair visto nenhum

já que agora ainda tenho como viver sem ter de servir mesas

até o fim do ano, 

não sei como resumir, como revisar, 

amanhã devo começar

e esquecer tudo

já que o planejado foi terminar aqui,

será assim,

e não é que eu me sinta perdida no meio dessa gente linda

maravilhosa

é que eu não faço parte de nada disso

como se eu fizesse parte de algo... só da natureza

as publicações começaram a aparecer de novo, 

e eu só vejo problemas, 

me disseram que nunca Aristóteles disse que a alma é substância formal

ou seja, eu inventei?

mas acharam engraçado eu me meter em problemas que eu desconheço,

estão a achar graça da minha ousadia....que riem, eu não faço filosofia antiga

sorry

é contemporânea.