
as almas elevadas sentimentais, sobretudo as enamoradas poderão protestar contra brutal realismo;
mas o egoísmo é tão arraigado nos homens, que os fins egoístas são os únicos com os quais se podem contar com segurança para estimular a atividade de um ser individual.
O amor tem o seu fim primordial a conservação da espécie, é uma ilusão ao instinto. Não falo do amor vulgar que não vai além de impulsos sexuais, direcionado para seres indeterminados, firmando as inclinações impelidas à beleza, força, etc.. É uma ilusão voluptuosa... que faz brilhar os olhos do homem a imagem ilusória de uma felicidade suprema, fazendo acreditar que apenas nos braços daquele ser e de mais nenhum outro poderá obter tamanho gozo; supõe-se ser para seu próprio gozo...quando na verdade está trabalhando para a manutenção do tipo integral da espécie.
E o gozo...sim, a volúpia é fugaz seguido de um rápido desencanto, e nada mais.
Com efeito, este desejo está para os outros desejos que agitam o coração do homem assim como a espécie está para o indivíduo, ou seja, como o infinito está para o finito.
Platão estava certo ao descrever nosso ser ludibriado: "não existe nada mais presunçoso que a volúpia."
Para uma inclinação verdadeiramente apaixonada é necessária uma condição que só podemos expressar por meio de uma metáfora extraída da química: as duas pessoas devem se neutralizar mutuamente, base e ácido talvez...neutralização mútua de duas individualidades.
Estes termos patéticos da harmonia de suas almas sempre vai acabar em ferozes discordâncias, e as questões das efêmeras individualidades são insignificantes pois o gênio da espécie está sempre disposto a sacrificá-las, sem contemplação.
E por se fixar sobre um único objeto e representar uma missão especial da espécie, esse desejo assume uma aura nobre e sublime.
Pela razão inversa, o mero impulso sexual é vulgar, porque não se dirige a um indivíduo único, não visa a qualidade...hehe e sim a quantidade..
O desejo de amor, que desde sempre os poetas ocuparam em exprimir de mil formas, é a vontade de vida, a sobrevivência, a eternidade firmada na continuidade da espécie, portanto não é de espantar que pareça despedaçar-se e não consiga expressar o pressentimento da delícia ou dor infinitas que o invadem.
É justamente essa fonte de toda poesia erótica de gênero elevado que eleva-se em metáforas transcendentes que pairam muito acima de coisas terrenas.
Esse valor infinito que os amantes se dão mutuamente não pode se basear em eventuais qualidades intelectuais e nem qualidades objetivas reais; até porque os amantes, com frequência, não se conhecem o suficiente.
Por isso fundar a própria felicidade deixando os amantes entregues a sua vitória é compartilhar a ilusão que sacrificaram sua individualidade para o bem da espécie, isso sim é que está acima de si mesmos, que torna o amor um episódio poético até mesmo na vida do homem mais prosaico, o que, às vezes, o torna ridículo.
Cupido, deus hostil e cruel, mal-afamado, demônio caprichoso, despótico, com seus atributos, flechas mortíferas, uma venda e asas...que indicam incostância, que vem geralmente acompanhado com a decepção, que é a consequência do desejos satisfeito.
Nada me resta além da satisfação vulgar dos sentidos: contra toda expectativa, não me encontro mais feliz que antes. Oh! Existência individual atormentada, contudo em meio ao tumulto há olhares em pleno desejo.
Mas estas são considerações inúteis...