sexta-feira, janeiro 18, 2013
Ato III Cena I
HAMLET: Ser ou não ser... Eis a questão. Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e
arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando
resistir-lhes? Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do
coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se.
Morrer.., dormir... dormir... Talvez sonhar... É aí que bate o ponto. O não sabermos que sonhos poderá
trazer o sono da morte, quando alfim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos. É essa idéia
que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa! Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do
mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis
amorosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas
mãos obter sossego com um punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por
temer algo após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe a
vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros males ignorados?
De todos faz covardes a consciência. Desta arte o natural frescor de nossa resolução definha sob a
máscara do pensamento, e empresas momentosas se desviam da meta diante dessas reflexões, e até o
nome de ação perdem. Mas, silêncio! Aí vem vindo a bela Ofélia. Em tuas orações, ninfa, recorda-te de
meus pecados.
OFÉLIA Como tem passado, príncipe, no correr de tantos dias?
HAMLET: Muitíssimo obrigado; bem, bem, bem.
OFÉLIA: Tenho algumas lembranças suas, príncipe, que há muito devolver eu desejara; receba-as, por
favor.
HAMLET: Eu, não; eu, não; eu nunca te dei nada.
OFÉLIA: O príncipe bem sabe que é verdade, e com palavras de tão doce anélito, que o valor dos
presentes aumentava. Mas, evolado o aroma, agora os trago. Os brindes se empobrecem, para uma alma
bem-nascida, de par com os sentimentos de quem os dá. Ei-los aqui, meu príncipe.
HAMLET: Ah! Ah! És honesta?
OFÉLIA: Como assim, príncipe?
HAMLET: És bela?
OFÉLIA Que quer dizer Vossa Alteza com isso?
HAMLET: É que se fores, a um tempo, honesta e bela, não deves admitir intimidade entre a tua
honestidade e a tua beleza.
OFÉLIA Mas, príncipe, poderá haver melhor companhia para a beleza do que a honestidade?
HAMLET: Realmente, que a beleza, com o seu poder, levaria menos tempo para transformar a
honestidade em alcoviteira do que esta em modificar a beleza à sua imagem. Já houve época em que isso
era paradoxo; mas agora o tempo o confirma. Cheguei a amar-te.
OFÉLIA: Em verdade, o príncipe me fez acreditar nisso.
HAMLET: Não deverias ter-me dado crédito, porque a virtude não pode enxertar-se em nosso velho
tronco, sem que deste não remanesça algum travo. Nunca te amei.
OFÉLIA: Tanto maior é a minha decepção.
HAMLET: Entra para um convento. Por que hás de gerar pecadores? Eu, de mim, considero-me mais ou
menos honesto, mas poderia acusar-me de tais coisas, que teria sido melhor que minha mãe não me
houvesse dado à luz. Sou orgulhoso, vingativo, cheio de ambição, e disponho de maior número de delitos
do que de pensamentos para vesti-los, imaginação para dar-lhes forma, ou tempo para realizá-los. Para
que rastejarem entre o céu e a terra tipos como eu? Todos somos consumados velhacos; não deves
confiar em ninguém. Toma o caminho do convento. Onde se encontra teu pai?
OFÉLIA: Em casa, alteza
HAMLET: Que lhe fechem as portas, a fim de impedirem que faça papel de tolo, a não ser em sua
própria casa. Adeus.
OFÉLIA: Ajuda-o, céu de bondade.
HAMLET: Se tiveres de casar, dou-te por dote a seguinte maldição: ainda que sejas casta como o gelo e
pura como a neve, não escaparás à calúnia. Vai; entra para o convento; adeus. Ou então, se tiveres
mesmo de casar, escolhe um néscio para marido, porque os assisados sabem perfeitamente em que
monstros as mulheres os transformam. Para o convento, vai; e isso depressa. Adeus.
OFÉLIA: Poderes celestiais, restituí-lhe a razão!
HAMLET: Conheço muito bem vossas pinturas; Deus vos deu um rosto e arrumais outro; andais aos
pulinhos e com requebros, falais cheias de esses e dais nomes indecentes às criaturas de Deus, fazendo
vossa leviandade passar por inocência. Vai; não insisto, porque foi isso que me deixou louco. O que digo
é que não teremos casamentos; os que já são casados, com exceção de um, hão de continuar vivos; os de
mais, prosseguirão como estão. Para o convento; vai!
Hamlet
(Sai.) OFÉLIA: Que nobre inteligência assim perdida!
A TRAGÉDIA DE HAMLET, PRÍNCIPE DA DINAMARCA
William Shakespeare
Já que é pra ser trágico, que seja grandioso..