Fui atrás de ti
a ver sua cara numa tumba
a te ver herói "philosophe"
te perdi entre tanto cimento
misturado com folha, humus,
lodo,
ferrugem
tempo, vento
nada
...
o por do sol
entre cruzes num horizonte qualquer
de Paris
Merleau-Ponty
nem te vi
me perseguias, eu pensava que podia
pisar sobre seu corpo a qualquer momento
pisava lento as folhas todas e verde do tempo, da vida
morrida, viva
talvez passei por ti
nem acenaste nem nada...
indiferente, morto
93 seção 52...
vivo..
"Na atitude natural, não tenho percepções, não ponho este
objeto ao lado deste outro objeto e suas relações objetivas,
tenho um fluxo de experiências que se implicam e se explicam
umas às outras tanto no simultâneo quanto na sucessão.
Paris não é para mim um objeto com mil facetas, uma soma
de percepções, nem tampouco a lei de todas essas percepções.
Assim como um ser manifesta a mesma essência afetiva nos
gestos de sua mão, em seu andar e em sua voz, cada percepção
expressa em minha viagem através de Paris — os cafés,
os rostos das pessoas, os choupos dos cais, as curvas do Sena
— é recortada no ser total de Paris, não faz senão confirmar
um certo estilo ou um certo sentido de Paris. E, quando ali
cheguei pela primeira vez, as primeiras ruas que vi à saída
da estação foram, como as primeiras falas de um desconhecido,
as manifestações de uma essência ainda ambígua, mas
já incomparável. Nós não percebemos quase nenhum objeto,
assim como não vemos os olhos de um rosto familiar, mas
seu olhar e sua expressão. Existe ali um sentido latente, difuso
através da paisagem ou da cidade, que reconhecemos em
uma evidência específica sem precisar defini-lo. Apenas as percepções
ambíguas emergem como atos expressos, quer dizer,
apenas aquelas percepções às quais nós mesmos damos um
sentido pela atitude que assumimos ou que correspondem a questões
que nós nos colocamos. Elas não podem servir para
a análise do campo perceptivo, já que são antecipadamente
retiradas dele, já que o pressupõem e que nós as obtemos justamente
utilizando as montagens que adquirimos na freqüentação
do mundo. Uma primeira percepção sem nenhum fundo
é inconcebível. Toda percepção supõe um certo passado
do sujeito que percebe, e a função abstrata de percepção, enquanto
encontro de objetos, implica um ato mais secreto pelo
qual elaboramos nosso ambiente."
Enquanto atravesso a praça da Concórdia
e me acredito inteiramente tomado por Paris, posso
deter meus olhos em uma pedra do muro do jardim das Tuileries, a Concórdia desaparece e só existe esta pedra sem história;
posso ainda perder meu olhar nessa superfície granulosa
e amarelada, e não existe mais nem mesmo pedra, só
resta um jogo de luz em uma matéria indefinida. Minha percepção
total não é feita dessas percepções analíticas, mas ela
sempre pode dissolver-se nelas, e meu corpo, que por meus habitas assegura minha inserção no mundo humano, justamente
só o faz projetando-me primeiramente em um mundo natural
que sempre transparece sob o outro, assim como a tela
sob o quadro, e lhe dá um ar de fragilidade. Mesmo se existe
uma percepção daquilo que é desejado pelo desejo, amado
pelo amor, odiado pelo ódio, ela sempre se forma em torno
de um núcleo sensível, por mais exíguo que ele seja, e é no
sensível que ela encontra sua verificação e sua plenitude. Dissemos
que o espaço é existencial; poderíamos dizer da mesma
maneira que a existência é espacial, quer dizer, que por
uma necessidade interior ela se abre a um "fora", a tal ponto
que se pode falar de um espaço mental e de um "mundo
das significações e dos objetos de pensamento que nelas se
constituem"
"é na experiência do mundo que todas as nossas operações lógicas de significação comum
a todas as nossas experiências, que leríamos através delas, uma idéia que viria a animar a matéria do conhecimento. Não temos uma série de perfis do mundo, dos quais uma consciência em nós operaria a ligação. Sem dúvida o mundo se perfila, espacialmente em primeiro lugar: só vejo o lado sul da avenida, se eu atravessasse a rua veria seu lado norte;
só vejo Paris, o campo que acabo de deixar caiu em uma espécie de vida latente; mais profundamente, os perfis espaciais são também temporais: um alhures é sempre algo que se viu ou que se poderia ver; e, mesmo se o percebo como simultâneo ao presente, é porque ele faz parte da mesma onda de duração."