terça-feira, junho 03, 2025

Não virá

as águas das cataratas
fluem com força, sem parar
são quedas monstruosas
que tocam o chão duro da realidade
e seguem pra outro plano

em paz

e se o passado
nunca tivesse sido vivido?
se o amor que me prometeste
fosse só
um índio que nunca veio? nem virá 
de estrela nenhuma

que maldição tu carregas?

uma grande alucinação
de um amor idealizado
uma promessa que se evapora
antes mesmo de se concretizar

eu, forçando a ficar
forçando a ser grande, impávido sei lá o que mais

como quem espera
o futuro que nunca chega

uma presença sempre fugidia
o índio que desceria da estrela colorida
mas desceu foi ao inferno e leva este onde vai

banhos longos
pra limpar a alma de si
e foi-se, como se não fosse nada
talvez porque não fosse

a floresta cheia de perigos que te machucam

te corroem, corrompem

minha alucinação de amar-te
me fez ver a mim

não virá,

vá, teu nome está no lixo, já sabes

não me interessa mais
teus desejos,
teu sexo que não inclui
o corpo sagrado de uma mulher sagrada

tua vida na rua, numa floresta devastada
a minha, na torre

trazia essas energias pro meu leito


ergo a cabeça
foco na minha escrita

na minha vida

o axé do afoxé virá em mim

busco outro horizonte pro amor
meu Deus isso foi o que?

um pesadelo

eu sei da minha loucura

e a viste, a tua permanece em numbra

eu senti o cheiro que veio de ti

e das tuas ações más e vis

de onde vem o que já não serve mais

e não confiei no meu faro

tão explícito

era estranho mesmo amar alguém
que começava por ter o nome 
numa lixeira, pena dos índios 

dos povos originários

não se força beleza onde não há

o exótico obviamente mórbido e desvanecido

era pena, só pena —
sem casa, sem lar, sem reza
sem o índio prometido, que nunca virá tranquilo e infalível

pena do abandono
que ofereces

o gosto de morte

carregada de uma nostalgia inventada
em risos de beberrões

perdeu a estrela pra vir e

saíste com a mesma cara
da primeira vez que te vi
com angústia e raiva

o abandonado abandona a si mesmo

o índio não virá, nem como ideal nem preservado em corpo físico

esse índio nunca virá que eu vi seu fim

não há ideia romântica de índio nenhum, nem espírito dos pássaros

nem das árvores ali

ou de águas limpas, 

o corpo de índio surpreendeu em morte

fui eu que vim

renascida de volta para o sonho de luz

da minha paz e de voltar a buscar vida pra mim.